terça-feira, 19 de outubro de 2010

Duas árvores generosas




Eis dois ótimos livros que se aproximam ao colocar árvores como protagonistas, relacionando-se com os homens. Dando-lhe sentimentos e ideias, Oswaldo França Júnior, de "A árvore que pensava", e Shel Silverstein, estadunidense autor d' "Árvore generosa", dão movimentos à esta espécia marcada pela inércia. O livro de Shel foi publicado na década de 60, e o de Oswaldo na década de 80. A preocupação com a devastação ambiental é cada vez maior, mas certamente já rondava as cabeças pensantes desses tempos. Mas seria esta a intenção dos dois autores?
O livro de Oswaldo, que é ilustrado pela artista Angela Lago, pode ser considerado uma curta fábula. Conta a história de uma arvore - que pensava muito - e que um dia foi transportada para a praça no centro de uma cidade. Animada, faz de tudo para adaptar-se a esse novo meio e conquistar seus habitantes. Aliás, decisivas para a compreensão do drama da árvore, são as ilustrações de Lago. Exatamente como na capa (vide foto), as ilustrações ocupam um pequeno quadrado, ao centro da página. A ilustradora dispensa a página inteira que é lhe é reservada, e assim aumenta a sensação de opressão da árvore, acuada entre prédios e mais prédios. Do que jeito que dá, a árvore cresce, avoluma-se. A consequência desse crescimento é sua poda, pelas mãos humanas, coisa que a árvore não compreende. Por desconhecer a lógica do novo espaço - a apertada cidade - ela tenta corrigir seu crescimento, desviando seus galhos para cima - não mais para os lados. Novamente, crescidos os galhos, surgem os homens que os "amputam" (verbo usado por Oswaldo. E na ilustração, pra fazer uma tabelinha com o texto, tem-se os homens com foices e vestidos de barbeiros (!), aproximando a árvore de um caráter humano). A ingênua árvore crê que os homens são seus benfeitores, e se dispõe a mudar por eles novamente - decide parar de crescer. O que acontece? "E como ela não crescesse mais,/os homens a arrancaram da praça e colocaram outra em seu lugar". Um desfecho cruel, que obriga o leitor a parar para pensar após a leitura. Onde está o erro? Por que esse fim tão ruim para a generosa árvore?
A ingratidão também é um sentimento que ecoa (junto com vários outros) nas páginas do outro livro, "A árvore generosa", de Silverstein. Mas sob um viés bem diferente: o amoroso. "Era uma vez uma árvore... que amava um  menino", inicia Silverstein, autor do texto e das ilustrações. O leitor é apresentado à história de cumplicidade entre o menino e a árvore. Todo dia o menino lá, brincando. Trepando no tronco, catando folhas, comendo os frutos dela, balançando-se, ou brincando de esconde-esconde com a árvore.... numa rotina feliz. "O menino amava a árvore.../ profundamente./E a árvore era feliz". Mas logo surge o tempo com suas mudanças. E a narrativa toma um novo rumo quando o menino cresce. "O menino cresceu", diz o texto, enquanto a ilustração, completando as palavras, mostra a árvore, e atrás dela quatro pernas que se deixam entrever... duas do menino.... e duas de uma nova companheira. "E árvore muitas vezes ficava sozinha". Árvore que, ao longo de todo o livro, nunca se mostra inteira (vide foto). Nunca em sua totalidade. Oprimida? Acuada pelo amor excessivo que dispensa ao menino? Bem possível. A sequência da narrativa parece atestar isto, ao mostrar o menino - que andava sumido e agora já é um moço- voltando para sua companheira. A árvore não perde tempo: convida-o a brincar em seus galhos, comer suas maças, reviver aqueles bons momentos. Mas o menino não é mais o mesmo. Não tem mais tempo a perder com brincadeiras. Agora quer se divertir, comprar muitas coisas. "Você tem algum dinheiro que possa me oferecer?", ele pede. Mas ela é apenas uma árvore. "Sinto muito (...) mas eu não tenho dinheiro. Tenho apenas minhas folhas e minhas macãs. Mas leve as maçãs, Menino. Vá vendê-las na cidade. Então terá dinheiro e você será feliz." É o que o Menino faz: colhe as maças, vai embora. E a árvore? "E a árvore ficou feliz", num refrão da passividade que se estenderá por todo o texto. Sempre que precisa de ajuda, volta o menino. Adolescente, adulto, idoso. Sempre a pedir. Sempre a levar tudo o que a árvore tem. E árvore, generosa, sempre feliz em poder ajudar seu amado. Amado, sim. Mas quem é esse amado? Seu filho? Seu homem?. Talvez a escolha do fruto - a maçã - seja mais uma pista para acolhermos essa segunda ideia.... mas que ser, senão uma mãe, seria tão generosa, a ponto de ficar à vida toda cuidando do Menino (nome que ele mantem por toda a hostória, não importa quantos anos passem - coisa de mãe, isso), enquanto ele vivia seus amores e desgostos? Só uma mãe...  Que é essa árvore? Mãe? Amante? ... um pouco das duas, quem sabe. Árvore que, ao final do texto, após tantos pedidos, se reduz a um mero toco. E o Menino está velho e cansado. Nada lhe resta a não ser descansar. E a ávore nada pode oferecer senão a si mesmo, como uma cadeira, para o Menino sentar. Para ela ser feliz mais uma vez... será?
Esse livro do Shel é outro do qual o leitor não sai ileso, sem se debater com suas próprias ideias acerca do amor, e do quanto é preciso se doar ao outro.
Nas duas histórias, as árvores - por diferentes razões - perdem seus galhos. Difícil não associar essas imagens com a questão da preservação ambiental, ideia em voga há alguns anos (certamente um tema discutido nos idos da década de 80.... agora, década de 60.. confere?). Ao mesmo tempo, é fácil notar que essa não é a intenção única dos dois livros. Especialmente o de Shel, que trata do amor e dos infinitos sentimentos que o rondam (ingratidão, generosidade, alegria, solidão, companheirismo, etc). A história de Oswaldo, essa sim, perpassa de forma clara essa questão problemática, que é o avanço das cidades sobre o espaço natural. Ao relatar a grande dificuldade de apenas uma (!) árvore em se adaptar à mecânica cruel de uma cidade, o autor critica essa opressão dos humanos sobre toda a  natureza. Mas se limitasse apenas à essa preocupação, o pequeno texto de França Junior e as ilustrações de Angela Lago, não tornariam o livro tão bonito quanto ele é. Um grande tema dos dois livros - e que dá beleza a eles - é o difícil relacionamento tre dois seres diferentes - árvore e homem, nesse caso. Por mais que a árvore pensante desenhada por Angela apresente características humanas (usa óculos, travesseiro, anda de carro até a praça onde é colocada...) ela não é humana. é uma árvore, condição que a impossibilita de viver igual-para-igual com os homens, que acabam rejeitando-a. Não seria essa impossibilidade algo que assombra também a árvore de Shel (que não podendo amar o Menino, dá tudo que tem a ele... inclusive seu próprio tronco). São perguntas e mais perguntas, que não pedem uma resposta única. Afinal, nessas florestas de sentidos, cada leitor vê de forma diferente essas duas árvores, pensantes e generosas.
REFERÊNCIAS:

JUNIOR, Oswaldo França; LAGO, Angela. A árvore que pensava. 3 ed. Ed. Nova Fronteira. 1986
SILVERSTEIN, Shel. A árvore generosa. Tradução de Fernando Sabino. Ediouro. 1964.

PS: Desculpas a quem não gosta que a história do livro seja contada, especialmente quando o resenhista cita cruciais partes como o clímax ou desfecho da história. às vezes não consigo evitar...

3 comentários:

  1. Oi, Eduardo!

    Acho muito bom quando a leitura de um livro ajuda a pensar outro...

    Também acho ótimo quando a leitura de alguém me ajuda a minha própria...

    Obrigada pelas suas iluminações!

    Abraço.

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  2. valeu, cris.
    esse livro propicia infinitas leituras,
    já que cada um tem uma forma de ver o amor (e histórias de amores) diferentes.

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